A
lenda de São Cipriano - O Feiticeiro - confunde-se com um outro célebre
Cipriano imortalizado na Igreja Católica, conhecido como Papa Africano. Apesar
do abismo histórico que os afasta, as lendas combinam-se e os Ciprianos, muitas
vezes, tornam-se um só na cultura popular. É comum encontrarmos fatos e
características pessoais atribuídas equivocadamente. Além dos mesmos nomes, os
mártires coexistiram, mas em regiões distintas.
Cipriano
– O Feiticeiro - é celebrado no dia 2 de Outubro. Foi um homem que dedicou boa
parte de sua vida ao estudo das ciências ocultas. Após deparar-se com a jovem
(Santa) Justina, converteu-se ao catolicismo. Martirizado e canonizado, sua
popularidade excedeu a fé cristã devido ao famoso Livro de São Cipriano, um
compilado de rituais de magia.
A
fantástica trajetória do Feiticeiro e Santo da Antioquia, representa o elo
entre Deus e o Diabo, entre o puro e o pecaminoso, entre a soberba e a
humildade. São Cipriano é mais que um personagem da Igreja Católica ou um livro
de magia; é um símbolo da dualidade da fé humana.
O Feiticeiro
Filho
de pais pagãos e muito ricos, nasceu em 250 d.C. na Antioquia, região situada
entre a Síria e a Arábia, pertencente ao governo da Fenícia. Desde a infância,
Cipriano foi induzido aos estudos da feitiçaria e das ciências ocultas como a
alquimia, astrologia, adivinhação e as diversas modalidades de magia.
Após
muito tempo viajando pelo Egito, Grécia e outros países aperfeiçoando seus
conhecimentos, aos trinta anos de idade Cipriano chega à Babilônia a fim de
conhecer a cultura ocultista dos Caldeus. Foi nesta época que encontrou a bruxa
Évora, onde teve a oportunidade de intensificar seus estudos e aprimorar a
técnica da premonição. Évora morreu em avançada idade, mas deixou seus
manuscritos para Cipriano, dos quais foram de grande proveito. Assim, o
feiticeiro dedicou-se arduamente, e logo se tornou conhecido, respeitado e
temido por onde passava.
A Conversão Cristã
Vivia
em Antioquia a bela e rica donzela Justina. Seu pai Edeso e sua mãe Cledonia, a
educaram nas tradições pagãs. Porém, ouvindo as pregações do diácono Prailo,
Justina converteu-se ao cristianismo, dedicando sua vida as orações,
consagrando e preservando sua virgindade.
Um
jovem rico chamado Aglaide apaixonou-se por Justina. Os pais da donzela (também
convertidos à fé Cristã) concederam-na por esposa. Porém, Justina não aceitou
casar-se. Aglaide recorreu a Cipriano para que o feiticeiro aplicasse seu
poder, de modo que a donzela abandonasse a fé e se entregasse ao matrimônio.
Cipriano
investiu a tentação demoníaca sobre Justina. Fez uso de um pó que despertaria a
luxúria, ofereceu sacrifícios e empregou diversas obras malignas. Mas não
obteve resultado, pois Justina defendia-se com orações e o Sinal da Cruz.
A
ineficácia dos feitiços fez com que Cipriano se desiludisse profundamente
perante sua fé e se voltasse contra o demônio. Influenciado por um amigo
cristão de nome Eusébio, o bruxo converteu-se ao cristianismo, chegando a
queimar seus manuscritos de feitiçaria e distribuir seus bens entre os pobres.
Os Fantasmas
Em
um capítulo de seu livro, Cipriano narra um episódio ocorrido após sua
conversão:
"Numa
noite de sexta-feira, caminhava por uma rua deserta quando se deparou com
quatorze fantasmas. Essas aparições eram bruxas que imploravam ajuda. Cipriano
respondeu-lhes que havia se arrependido de sua vida de feiticeiro, e que havia
se tornado temente a Jesus Cristo. Logo depois caiu em sono profundo, e sonhou
que a oração do Anjo Custódio o livraria daqueles fantasmas. Ao despertar teve
uma breve visão do Anjo. Assim, auxiliado pela oração de São Gregório e do Anjo
Custódio, esconjurou e livrou a alma atormentada das bruxas."
A Morte
As
notícias da conversão e das obras cristãs de Cipriano e Justina, chegaram até o
imperador Diocleciano que se encontrava na Nicomédia. Assim, logo foram
perseguidos, presos e torturados. Frente ao imperador, viram-se forçados a
negar a fé cristã. Justina foi chicoteada, e Cipriano açoitado com pentes de
ferro. Não cederam.
Irritado
com a resistência, Diocleciano ainda lançou Cipriano e Justina numa caldeira
fervente de banha e cera. Os mártires não renunciaram, e tampouco transpareciam
sofrimento. O feiticeiro Athanasio (que havia sido discípulo de Cipriano)
julgou que as torturas não surtiam efeito devido a algum sortilégio lançado por
seu ex-mestre. Na tentativa de desafiar Cipriano e elevar a própria moral,
Athanasio invocou os demônios e atirou-se na caldeira. Seu corpo foi dizimado
pelo calor em poucos segundos.
Após
este fato, o imperador Diocleciano finalmente ordenou a morte de Justina e
Cipriano. No dia 26 de Setembro de 304, os mártires e um outro cristão de nome
Teotiso, foram decapitados às margens do Rio Galo da Nicomédia. Os corpos
ficaram expostos por 6 dias, até que um grupo de cristãos recolheu e os levou
para Roma, ficando sob os cuidados de uma senhora chamada Rufina. Já no império
de Constantino, os restos mortais foram enviados para a Basílica de São João
Latrão.
O Livro
O
famoso Livro de São Cipriano foi redigido antes de sua conversão, mas o
mistério que envolve a vida do Santo interfere também em seu livro. Uma parte
dos manuscritos foi queimada por ele mesmo. A questão é que não se sabe quando,
e por quem os registros foram reunidos e traduzidos do hebraico para o latim, e
posteriormente levados para diversas partes do mundo.
No
decorrer dos anos, o conteúdo sofreu alterações significativas. Houve uma
adaptação de acordo com as necessidades e possibilidades contemporâneas; além
da adequação necessária na tradução para os vários idiomas. Esses fatores
colocam em dúvida a fidelidade das versões recentes, se comparadas às mais
antigas.
Atualmente,
não é possível falar do Livro, mas sim dos Livros de São Cipriano. As edições
capa preta e capa de aço; ou aquelas intituladas como o autêntico, o
verdadeiro, ou o único, enfatizam um mesmo acervo mágico central, e ainda
exaltam o cristianismo e a vitória do bem sobre o mal. Porém, existem grandes
diferenças no conteúdo. Enquanto alguns exemplares apresentam histórias e
rituais inofensivos, outros apelam para campos negativistas e destrutivos da
magia.
Num
aspecto geral, encontram-se instruções aos religiosos para tratar de uma
moléstia, além de cartomancia, esconjurações e exorcismos. A Oração da Cabra
Preta, Oração do Anjo Custódio e outras da crença popular também são inclusas
(Magnificat, Cruz de São Bento, Oração para Assistir aos Enfermos na Hora da
Morte, etc.). Além dos rituais de como obter um pacto com o demônio, como
desmanchar um casamento e da caveira iluminada com velas de sebo.
No
Brasil, o Livro de São Cipriano é usado largamente nas religiões
afro-brasileiras e se tornou um "almanaque ocultista" de fácil acesso
que se dilui na crendice popular. Há ainda os mitos que o cercam: muitos
consideram ser pecado possuí-lo ou simplesmente tocá-lo. De qualquer forma, o
tema São Cipriano e tudo que o cerca, é um campo de estudo e pesquisa muito
interessante para os ocultistas, religiosos e aventureiros.